O
Regresso do Urso Pardo
Por Daniel Veríssimo
30.06.2022
Daniel Veríssimo, um economista maravilhado
com a vida selvagem, fala-nos sobre o urso-pardo, “o grande jardineiro dos
bosques”, e sobre o seu possível regresso ao território português.
O urso-pardo (Ursus arctus) é um animal
bastante adaptável, que sobrevive numa grande variedade de climas e diferentes
tipos de habitat. Por isso, as dimensões e comportamento variam consoante as
subespécies: alguns dos maiores ursos habitam a Ilha de Kodiak, no Alaska e na
Península de Kamchatka, na Rússia; alguns dos mais pequenos as Montanhas do
Centro de Itália e Norte de Espanha.
Os ursos em regiões mais frias tendem a ser
maiores do que ursos que habitam regiões mais temperadas. Ursos em regiões
frias hibernam, ursos em lugares mais temperados podem não hibernar. Nas
populações do Sul da Europa, os machos podem pesar 180 quilos e as fêmeas 130
quilos, em quatro patas podem medir cerca de um metro de altura e dois metros
de comprimento e podem viver entre 25 a 30 anos.
No passado, o urso-pardo tinha uma grande
distribuição, desde as montanhas do Atlas com vista para o deserto no Norte de
África, até às florestas densas com vista para os fiordes do Báltico, passando
pelo Médio Oriente e Himalaias até à América do Norte. Cruzando desertos,
terras altas, florestas húmidas, zonas costeiras e planícies interiores.
Na Península Ibérica era comum desde as
montanhas frias e chuvosas do norte da Península, até às planícies quentes e
secas do Alentejo e da Andaluzia. Deixou marcas na cultura: o símbolo de
Madrid, a capital espanhola, é um urso a comer medronhos, ou ainda as silhas,
os muros apiários no Gerês e, em menor escala, noutras partes do país.
Na toponímia, ficaram nomes de localidades e
lugares como o Vale da Ursa na Malcata, Pia do Urso na Serra de Aire e
Candeeiros ou Vale de Urso em Proença-a-Nova. Nos contos reais, reza a lenda
que D. Dinis caçou um urso perto de Beja, no século XIII.
Existiram ursos na Serra da Arrábida que
provavelmente comiam marisco, nos Montes Algarvios talvez alfarroba e figo e,
no Minho, é provável que o alimento incluísse peixe, como os salmões. No século
XV ainda existiam ursos ao longo da Raia, no vale e planalto do Côa e nas
colinas e campos de Moura no Alentejo.
A perda, destruição e simplificação de habitat
e a caça levaram à quase extinção do urso na Península Ibérica e ao
desaparecimento deste animal de grandes partes da sua distribuição histórica.
Mas hoje, graças ao abandono de terras agrícolas marginais, à concentração de
pessoas em cidades e medidas de restauro e proteção da natureza, há
oportunidades para o urso recuperar territórios antigos.
Nas regiões de clima mediterrâneo, o urso tem
uma dieta variada que muda consoante a estação do ano. Alimenta-se de frutos
frescos como cerejas, figos, medronhos, mostajos, abrunhos, pêras e maçãs
bravas; bagas de arbustos, do sabugueiro, do aderno e do pilriteiro; frutos
secos como bolotas, nozes, castanhas e avelãs; insetos, formigas e térmitas;
mel, ervas e em algumas ocasiões também carne.
Há duas maneiras de o urso voltar a Portugal.
Ou através da reintrodução de animais vindo de outros locais, como aconteceu
nos Pirinéus, mais rápida mas mais desafiante socialmente, ou através de
expansão natural, mais lenta mas mais aceite pela comunidades, como tem vindo a
acontecer na Cantábria.
Em ambas é preciso preparar zonas core, para o
urso habitar, e corredores para ligar populações existentes e garantir novas
áreas de expansão. O urso precisa de espaço, zonas tranquilas onde possa viver
sem ser perturbado, o que garante habitat para muitas outras espécies de
animais e plantas. Na Cantábria o habitat de urso alberga populações de lobos,
abutres e várias espécies de herbívoros.
Para promover a expansão natural, é preciso
criar corredores ecológicos através de ações como remover vedações e arame
farpado, criar passagens em infraestruturas como estradas e linhas de comboio e
ainda plantar árvores de fruto ao longo dos corredores, para incentivar os
ursos a usarem as novas passagens.
Para criar zonas core para a vida selvagem, na
Galiza e no Norte de Portugal, é imperativo trabalhar com as comunidades
locais, uma vez que o Estado em ambas as regiões não tem propriedades próprias
com área suficiente para albergar uma população viável de urso.
As maiores áreas estão nas mãos das
comunidades locais, na forma de baldios, pelo que para o urso se estabelecer no
Norte de Portugal esses baldios são m aspeto chave. Por norma, são terras pouco
produtivas mas que para a conservação da natureza são boas. É uma oportunidade
para criar um incentivo económico direto à presença do urso, através do aluguer
de baldios por várias dezenas de anos para a conservação da natureza.
Trabalhar a coexistência com as comunidades
locais para prevenir conflitos é fundamental – com os apicultores para proteger
colmeias, com os agricultores de frutas para proteger pomares e com as pequenas
explorações agrícolas por causa de hortas e galinheiros. Por exemplo, dar a
conhecer o urso às populações que partilham o território com este animal com
eventos de sensibilização, reforçar contentores e caixotes do lixo para evitar
o acesso, apostar na educação ambiental e criar uma imagem positiva do urso
como uma oportunidade e não como um problema.
O urso é um dos grande cinco big five animais
da Península Ibérica, um animal carismático, um símbolo de um ecossistema
saudável e selvagem. Pode ser usado como solo fértil para o desenvolvimento
económico local e para o turismo de natureza.
É o grande “jardineiro dos bosques”, pois dispersa
sementes de árvores e arbustos, o que aumenta a disponibilidade de alimento
para muitas outras espécies de animais (21). É ainda uma das vinte espécies
identificadas como chaves para restaurar cadeias tróficas um pouco por todo o
mundo, pelo seu papel no ecossistema.
Em Portugal pode voltar a Montesinho e às
serras da Peneda e Gerês, áreas que alguns animais já visitaram vindos do Norte
de Espanha, mas onde ainda não se estabeleceram. No futuro pode usar os
afluentes do Douro para chegar a novas áreas através do Sabor e do Côa, para
chegar ao Sistema Central, às Serras da Estrela, do Açor, da Lousã, da Gardunha
e da Malcata, até usar os afluentes do Tejo para chegar a São Mamede.
O urso pode (e irá) voltar a Portugal, resta
perguntar quando. E mais importante, o que será feito para preparar a chegada
deste belo e carismático animal?
Fonte:
https://www.wilder.pt/naturalistas/pode-o-urso-pardo-voltar-a-portugal/
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