A expansão descontrolada do
eucalipto em Portugal: “E pur si muove”, por José Trincão Marques
“- Oh, Zé Fernandes, quais são as árvores que
crescem mais depressa?
– Eh, meu Jacinto… A árvore que cresce mais
depressa é o eucalipto, o feíssimo e ridículo eucalipto. Em seis anos tens aí
Tormes coberta de eucaliptos…”
Eça de Queirós, in a Cidade e as Serras, 1901
1. Intróito: O eucalipto-glóbulo, ou eucalipto-comum,
(Eucalyptus globulus) é uma árvore exótica em Portugal (porque se fixou fora da
sua área de distribuição natural, depois de transportada e introduzida pelo
Homem, ultrapassando as barreiras biogeográficas).
Esta árvore é originária da Austrália e foi
introduzida em Portugal em meados do século XIX.
Não deixa de ser curioso como Eça de Queirós, em
‘A Cidade e as Serras’, obra publicada em 1901 (e pouco mais de cinquenta anos
após a introdução do eucalipto em Portugal), se apercebeu de imediato dos
perigos da expansão descontrolada do eucalipto.
Importa desde já esclarecer que esta árvore, em
condições normais, por si só e isoladamente, como qualquer outra árvore, não
produz danos significativos no ambiente, nem na biodiversidade, não desertifica
nem degrada os solos, nem potencia o fogo.
O problema está na forma como é cultivado, onde é
cultivado e em que extensão é cultivado. O problema não está no eucalipto, mas
na forma errada como ele tem sido utilizado nos últimos anos em Portugal.
O eucalipto ocupa atualmente cerca de 10% do
território de Portugal, o que constitui a maior área relativa de plantações de
eucalipto num só país a nível mundial. Nenhum outro país possui uma área
relativa do seu território ocupada com eucalipto como Portugal.
Apesar de ser um pequeno país do ponto de vista
territorial, em termos de área absoluta, Portugal conquista o quinto lugar a
nível mundial na área de eucaliptização do seu território.
Portugal é o campeão mundial dos plantadores de
eucaliptos.
Este resultado não é motivo de orgulho, nem de
satisfação, mas de preocupação e apreensão.
A expansão descontrolada do eucalipto em Portugal
representa mais um rude golpe no nosso território, na nossa paisagem, no nosso
património natural, na nossa biodiversidade, na qualidade dos nossos solos, nas
nossas reservas de água, nos nossos recursos económicos e no respeito pelas
gerações atuais e futuras. É mais um sinal de irresponsabilidade e egoísmo, de
abandono, de falta de amor à Pátria e da decadência evidente do nosso país.
Como escreveu lapidarmente Viriato Soromenho-Marques
“Este país, que já foi um império, é hoje incapaz de proteger o seu
território do monstro verde criado pela nossa incúria coletiva”.
Os perigos e os danos da expansão descontrolada do
eucalipto em Portugal devem ser divulgados e dados a conhecer a todos os
portugueses.
2. Mais uma vez o negacionismo: À semelhança do que acontece com o
chamado “negacionismo climático” (cujos defensores negam a existência das
alterações climáticas em curso provocadas por causas antropogénicas), existe um
poderoso “lóbi” ligado a grandes interesses económicos fortemente empenhado em
negar os malefícios e prejuízos da expansão descontrolada do eucalipto em
Portugal, ou até em negar a sua evidente expansão.
Basta viajar alguns quilómetros de automóvel por
qualquer estrada, ou autoestrada, portuguesa para constatar esta expansão
descontrolada: quilómetros, quilómetros e mais quilómetros, sem fim à vista, de
território português ocupado descontroladamente por eucaliptos. O pior cego é
aquele que não quer ver.
Estes “negacionistas eucalípticos”, à
semelhança dos negacionistas climáticos, usam frequentemente argumentos falsos
ou laterais para defenderem as suas negações. E quando se sentem mais
diretamente atingidos nos seus poderosos interesses, ou nalgum alvo sensível,
escolhem o caminho da violência verbal, do ataque pessoal, das ameaças e da
descredibilização de quem expõe a fragilidade dos seus argumentos, revelando a
simples cupidez, ou a falta de ética nua e crua.
Exemplos públicos recentes de atitudes lamentáveis
reveladoras daquele desespero não têm faltado entre nós.
Filipe Duarte Santos, em “Alterações Globais”,
Fundação Francisco Manuel dos Santos (2012) e Robert Henson em “Alterações
Climáticas”, Rough Guide (2009), dedicam várias elucidativas páginas destes
livros ao desmascaramento das atitudes negacionistas.
A denúncia e o alerta para os perigos da expansão
descontrolada do eucalipto em Portugal tem várias décadas de existência e conta
com o contributo de ilustres professores universitários e especialistas
conceituados em matérias ambientais como, entre muitos outros, Gonçalo Ribeiro
Teles, Fernando Catarino, Jorge Paiva, Eugénio Sequeira, Filipe Duarte Santos,
Luísa Schmidt ou Viriato Soromenho-Marques.
A capacidade técnica, a credibilidade científica,
o valor académico, a independência em relação aos poderes políticos e
económicos e a honorabilidade pessoal demonstrada por todos eles ao longo das
suas vidas, constituem um sólido indicador sobre em quem devo confiar neste
debate de interesse nacional.
3. A árvore nociva: O próprio Código Civil Português, em vigor desde 1966, classifica o
eucalipto, no artigo 1366º, n.º2, literalmente como uma “árvore nociva” e
ressalva restrições constantes de leis especiais relativas à plantação ou sementeira
de eucaliptos e acácias nas proximidades de terrenos cultivados, terras de
regadio, nascentes de água ou prédios urbanos. Os legisladores de 1966 já se
preocupavam com a regulação da plantação de eucaliptos.
4. A ética e a estética: Nunca é demais realçar a importância dos
valores éticos e estéticos como fundamento essencial da conservação da natureza
e da defesa do ambiente.
Cada vez mais as sociedades modernas valorizam os
benefícios indiretos dos oceanos, das florestas e dos ecossistemas,
nomeadamente a paisagem, o recreio e a biodiversidade, em detrimento dos
aspetos redutora e estritamente ligados à economia.
Cada vez mais as decisões do presente devem ter em
conta as consequências que as mesmas produzem sobre as gerações futuras e sobre
os próprios seres vivos e paisagens de cada região que possuem indiscutível
valor intrínseco.
A paisagem possui ainda um inquestionável valor
histórico-cultural.
Cada vez mais as decisões sobre as políticas
florestais, agrícolas, piscatórias, extrativas, industriais, ou urbanísticas,
devem ser participadas por toda a sociedade que tem interesses diretos e
indiretos e não apenas pelos agentes económicos ligados diretamente ao setor.
5. Alguns problemas da expansão descontrolada do
eucalipto: Um dos principais problemas causados pela expansão descontrolada do
eucalipto em Portugal é a concorrência agressiva, desproporcionada e implacável
na ocupação do solo e das nossas paisagens culturais tradicionais relativamente
a outras espécies e na destruição dos nossos ecossistemas naturais existentes,
nomeadamente montados de sobro e azinho e carvalhais.
Acresce ainda a difícil reversibilidade destas
plantações de eucaliptos, tendo em conta que as soluções técnicas existentes
para a sua erradicação são economicamente inviáveis.
Até do ponto de vista estético as plantações de
eucaliptos são desvalorizadas como valor paisagístico pela generalidade das
pessoas em Portugal. Os eucaliptais não costumam aparecer em posters ou postais
ilustrados como paisagens idílicas.
Em geral, as plantações de eucalipto têm um
impacto negativo na destruição dos solos, induzindo a resistência à infiltração
de água e aumentando os riscos de erosão e perda de solos.
O eucalipto é uma espécie de crescimento rápido e
consome bastante água do subsolo, podendo conduzir à secagem de águas
subterrâneas, poços e fontes.
A biodiversidade em plantações de eucaliptos é
extremamente baixa (ao nível de outras plantas arbustivas, insetos, aves e
mamíferos) quando comparadas com espécies arbóreas autóctones, devido à
composição química das suas folhas, cascas e frutos não utilizáveis por outros
seres vivos, nem consumíveis e inibidoras do desenvolvimento de outras
espécies.
A cultura intensiva, com ciclos de corte muito
curtos e a criação de grandes manchas contínuas de eucaliptais contribui ainda
mais para a diminuição da biodiversidade.
Os eucaliptos são árvores de elevada resistência
ao fogo, emitindo rebentos na copa após os incêndios e as suas sementes são
mais facilmente libertadas com a ocorrência de fogo.
Por outro lado, as folhas e a casca do eucalipto
apresentam uma elevada combustibilidade e inflamabilidade devido às substâncias
químicas que as compõem. A própria casca desta árvore com o fogo solta-se com
facilidade em partículas incandescentes e com o vento, juntamente com as
folhas, podem projetar-se a várias centenas de metros e atear novos focos de
incêndio, provocando frentes secundárias que dispersam os meios de combate e
reduzem a sua eficácia.
Por esta razão os eucaliptos são denominadas
árvores pirófitas (amigas do fogo) porque estão perfeitamente adaptadas ao
fenómeno do fogo, resistem à queima e até retiram vantagens de sobrevivência
com a ocorrência de incêndios. São árvores que não só aguentam a combustão como
também se regeneram rapidamente.
As grandes extensões contínuas descontroladas de
eucaliptais agravam e potenciam a dimensão e gravidade destes incêndios
florestais, de que Portugal tem sido infelizmente vítima nos últimos anos.
O Relatório da Comissão Técnica Independente da
Assembleia da República sobre os incêndios que ocorreram na zona centro
entre 17 e 24 de julho de 2017, refere que “as soluções de ordenamento
apontadas são, em geral, conhecidas e reclamadas por muitos e incluem,
tipicamente, a diversificação da floresta e a utilização de espécies que
conduzam a formações menos combustíveis. Sabe-se que o Pinheiro bravo (Pinus
pinaster) sem redução da carga combustível dos matos no seu interior conduz, em
condições de secura, a incêndios de grande intensidade, como sucede em geral
com uma boa parte das espécies resinosas para as quais existem modelos de fogos
de copas bem desenvolvidos. E sabemos que o Eucalipto (Eucalyptus globulus) nas
mesmas condições, para além da maior intensidade dos incêndios pela existência
de concentrações muito significativas de compostos voláteis facilmente
combustíveis nas suas folhas, tem também a característica de projetar focos de
incêndio secundários a grandes distâncias, em particular pelo facto de ter uma
casca que nos períodos de maior seca e calor se destaca e enrola podendo arder
durante largos minutos. Na Austrália há registos de focos secundários a 20
quilómetros da frente de fogo original… E manchas contínuas de misturas das
duas espécies, pinheiro e eucalipto, infelizmente comuns em situações de gestão
deficiente, é a receita, mais cedo ou mais tarde, para o desastre. Para estas
duas espécies a regra é a da gestão do combustível no sub-bosque. Sem
combustível no seu interior estas florestas, em vez de um problema sério, podem
fazer parte da solução. Sabe-se, por outro lado, que as folhas das espécies de
folha caduca, como as dos carvalhos, castanheiros ou outras folhosas, por terem
um grande teor de humidade, não são propícias a fogos de copas e devem portanto
ser consideradas em misturas com outras espécies ou em áreas estratégicas para
contrariar a fácil propagação dos incêndios. E no Pinhal Interior modelos de
silvicultura apropriados com Sobreiro e com Medronheiro têm demonstrado fazer parte
integrante de uma solução em que a diversificação da floresta tem de ser um
objetivo.”
6. O Decreto-Lei nº 96/2013, de 19 de
Julho: A entrada em vigor
deste Decreto-Lei veio permitir a liberalização da plantação de espécies
exóticas, como o eucalipto, em mais de 80% das propriedades florestais em
Portugal.
Eugénio Sequeira, Professor Catedrático do
Instituto Superior de Agronomia e um dos maiores especialistas portugueses em
solos, classificou-o como um “erro histórico só comparável à Campanha do
Trigo”.
Devido à contestação pública e aos seus descarados
e evidentes malefícios, o Decreto-Lei nº 96/2013, de 19 de Julho viria a ser
alterado pela Lei nº 77/2017, de 17 de Agosto.
7. As janelas e alçapões da Lei nº
77/2017, de 17 de Agosto e a continuação da expansão descontrolada do
eucalipto:
Apesar de enunciar como seu objetivo a proibição
de ações de arborização de eucaliptos, a Lei nº 77/2017, de 17 de Agosto,
permite exceções à limitação da expansão das áreas com eucaliptos, nomeadamente
em projetos de compensação com o compromisso de investimento em áreas que
garantam o uso agrícola ou pecuário, ou com espécies autóctones, em caso de uso
florestal.
Esta exceção permite fazer entrar pela janela da
lei aquilo que aparentemente não pode entrar pela porta, ao aceitar a permuta
de áreas pouco produtivas, por áreas não eucaliptizadas mas mais produtivas.
Acresce que, onde não se aplique o conceito de
povoamento florestal esta Lei não impede a plantação de eucaliptos, desde que
não ocorra em contínuo com plantações já existentes.
Independentemente destes aspetos jurídicos, cuja
aplicação prática futura desta Lei irá continuar a testar, em 28 de Agosto de
2018, o Presidente da Câmara de Oliveira do Hospital, cuja área do Município
foi fortemente afetada pelos incêndios de 2017, pediu publicamente ajuda aos
vários órgãos de soberania para travar o fenómeno da regeneração natural do
eucalipto nas zonas afetadas pelos incêndios, referindo que “esta espécie se
transformou numa autêntica invasora e que todo o território está agora invadido
por muitos milhares de eucaliptos que formam autênticas selvas”.
Segundo este autarca, este pedido de ajuda “não
representa nenhum tipo de atitude fundamentalista contra o eucalipto”.
“No entanto, se não for definida rapidamente
uma estratégia nacional, não há dúvidas de que num futuro próximo vamos ter
aqui autênticos barris de pólvora em matéria de risco de incêndio rural”.
8. A espécie invasora: No ano de 2009, o então Instituto de
Conservação da Natureza e Biodiversidade apresentou uma proposta para
classificar o eucalipto como uma espécie invasora em Portugal.
Segundo o artigo 2º, alínea o), do Decreto-Lei nº
565/99 de 21 de Dezembro, “espécie invasora é aquela que é “susceptível de,
por si própria, ocupar o território de uma forma excessiva, em área ou em
número de indivíduos, provocando uma modificação significativa nos ecossistemas”.
O “Guia Prático para a Identificação de Plantas
Invasoras em Portugal Continental” publicado pela Universidade de Coimbra
em 2014 incluiu o eucalipto (Eucalyptus globulus) na lista das espécies de
árvores invasoras em Portugal.
O abandono de muitos eucaliptais e a situação dos
mesmos após os incêndios agrava e acentua ainda mais o carácter invasor do
eucalipto, facilitando a sua expansão natural para fora dos locais destinados
inicialmente à plantação.
Estranhamente até hoje Portugal não classificou na
lei (no Decreto-Lei nº 565/99 de 21 de Dezembro) o eucalipto como espécie
invasora. Que interesses seriam beliscados com essa classificação?
9. Menos Estado pior floresta:
Nos últimos anos o Estado português decidiu
governar a floresta portuguesa por omissão, abandonando o território florestal
e deixando-o entregue aos puros e duros mecanismos do mercado.
Os resultados estão à vista de todos nós.
A solução passa pela intervenção do Estado, como
estratega e regulador de políticas públicas florestais que defendam o nosso
país, o nosso território, os nossos recursos naturais, a nossa economia e o
nosso povo.
Como possíveis respostas para combater a expansão
descontrolada do eucalipto em Portugal, são indicadas por muitos especialistas,
entre outras, as seguintes:
- Obrigatoriedade de certificação dos produtos com origem na floresta, nomeadamente o papel, com o objetivo de garantir que foram produzidos de acordo com critérios de sustentabilidade ambiental. O eucalipto pode ser produzido de acordo com esses critérios. A madeira certificada passaria a ser mais valorizada pelos consumidores que a madeira não certificada e os proprietários, produtores e indústrias a jusante da cadeia produtiva seriam obrigados, com esta pressão, a modificarem e a melhorarem as técnicas de produção florestal;
- Necessidade
de repensar a viabilidade económica da cultura do eucalipto em Portugal,
perante a competitividade produtiva de outros países com mais aptidão natural
para a sua produção, como o Brasil;
- Imposição
pelo Estado de uma gestão racional dos povoamentos de eucaliptos, com o
cumprimento rigoroso das melhores técnicas florestais. Apenas as empresas
devidamente credenciadas pelo Estado e com garantia de boas práticas deveriam
ser autorizadas a plantar eucaliptos;
- Delimitação
rigorosa de áreas geográficas bem definidas para a produção de eucaliptos e
obrigatoriedade de reconversão de áreas onde o eucalipto nunca deveria ter sido
instalado, seja por razões económicas ou por razões ecológicas;
- Aposta na manutenção e criação de paisagens de características mediterrânicas, dominadas pelo sobreiro, pela azinheira, pelo carvalho, pelo medronheiro e outras folhosas autóctones, mais resistentes ao fogo e promotoras de biodiversidade, da conservação dos solos, da água e da paisagem.
O reordenamento florestal tem de ser seriamente
encarado como um desígnio nacional. Portugal necessita de uma verdadeira
reforma florestal.
10. E pur si muove: “E no entanto ela move-se”. Terão sido
estas as palavras sussurradas por Galileu Galilei ao terminar a leitura da
abjuração a que havia sido forçado pelo Tribunal da Inquisição em 22 de Junho
de 1633.
O Tribunal do Santo Ofício obrigou Galileu a
desmentir e repudiar publicamente a sua profunda convicção, que consistia na
verdade científica do sistema coperniciano, segundo o qual é a Terra que gira à
volta do Sol e não o Sol à volta da Terra.
Segundo dados oficiais, em 2017 foi batido o
recorde de plantações de eucaliptos desde o ano de 2013, que consistiram em
novos 18.497 hectares, em contraponto com apenas a nova plantação de 402
hectares de sobreiros.
Aguardemos pelos dados oficiais do corrente ano de
2018…
Entretanto, enquanto continuam a deflagrar fogos
florestais pelo território nacional e continuam a fazer-se fogueiras
inquisitoriais na praça pública para queimarem os infiéis que denunciam a
expansão descontrolada do eucalipto em Portugal, a célebre frase de Galileu
Galilei tem aqui perfeito cabimento.
Sim, continua a expansão descontrolada do
eucalipto em Portugal. “E pur si muove”.
por José Trincão Marques
11 de Setembro, 2018
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