As aldeias serranas da Lousã localizam-se no sector meridional do concelho da Lousã e no sector noroeste da Serra da Lousã (figura 1), por entre cotas que oscilam entre 540 metros (Casal Novo) e 730 metros (Franco).
O contexto geográfico revela o predomínio da Cordilheira Central e dos seus relevos vigorosos, imponentes e de impressionante contraste paisagístico que rasgam o horizonte nas direcções nordeste e sudoeste. A Bacia da Lousã e o Rebordo Montanhoso do Maciço Antigo fazem a transição para a Depressão Marginal e a Orla Mesocenozóica, e conduzem à capital regional, a cidade de Coimbra, que dista cerca de 40 quilómetros (a noroeste) em relação aos lugares serranos mais próximos da vila da Lousã.
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Figura 1 – Esboço de localização das aldeias serranas da Lousã (Cordilheira
Central)
AS ALDEIAS SERRANAS
No final do século XVII, um conjunto mais vasto de documentos sobre a vila da Lousã e o seu termo, compilados por MEXIA (1936), fornece indicações seguras sobre a ocupação permanente das aldeias serranas. De entre os mais importantes encontra-se o Tombo dos bens e propriedades da Câmara e concelho desta villa da Louzan, lavrado em 1687, a mando de D. Pedro II. Nele constam os “casais” que existiam na Silveira, Catarredor, Candal, Vaqueirinho, Chiqueiro, Franco e Bemposta. «A propriedade dos casais repartia-se entre a Câmara, famílias de representação local e moradores nos lugares. (…) O casal correspondia a toda a área envolvente do lugar (excluindo as propriedades privadas e foreiras) e era composto por matos de utilização comum e algumas árvores» (MONTEIRO, 1984: 55).
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NA SERRA
As aldeias serranas da Lousã formaram um grupo com identidade própria que tinha como espaço produtor a própria Serra (Osório et al., 1989). Resultaram primeiramente da ocupação sazonal pelos pastores (pelo menos desde o século XV), à qual se seguiu a fixação da população durante o século XVI (Carvalho, 1999).
A PASTORÍCIA
Paralelamente à actividade agrícola, praticava-se a pastorícia, em especial ligada ao gado caprino.
No Candal, seja pelo número mais elevado de população residente, seja pela maior disponibilidade de espaços para pastagem, nos anos 30 do século passado, existiam cerca de duas mil cabeças de gado. Três décadas depois, o rebanho estava reduzido a menos de um milhar de animais, e nos anos 70, quando terminou o pastoreio colectivo, o número de animais rondava uma centena. Esta diminuição, que atingiu as outras aldeias, decorre sobretudo da redução substancial da área de pastagens livres, que, por sua vez, é consequência da submissão de parte significativa dos antigos baldios serranos ao regime florestal. O declínio do pastoreio foi (mais) um elemento decisivo para a desagregação da frágil economia serrana.
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OS MOINHOS
Os cereais panificáveis produzidos na Serra eram transformados nos moinhos,
construções exíguas (algumas eram o resultado do aproveitamento de fragas,
guarnecidas com uma ou outra parede e atapetadas com lousas ou telhas de canudo, sobre ripado de castanho) dispersas pelas principais linhas de água que rasgam a montanha. Pensamos que parte dos moinhos eram meios de produção de natureza colectiva, ou pelo menos aparecem ligados a regime de compropriedade. O regime fluvial explica a existência de moinhos de Verão e de Inverno, utilizados em função do caudal de alimentação das levadas.
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A CASTANHA
Nas aldeias serranas da Lousã, como em tantas outras áreas montanhosas, a castanha foi durante muitos séculos o principal alimento das populações rurais7. A castanha pilada (seca nos “caniços”) era muito utilizada na alimentação dos habitantes, em particular quando os nevões de Inverno não permitiam sair de casa. Também era dada ao gado, sendo um alimento de reconhecido valor na engorda dos suínos, tal como as landes dos carvalhos recolhidas no Outono.
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ILUMINAÇÃO
A iluminação era feita com lamparinas de azeite e candeeiros a petróleo. Inicialmente a luz eléctrica chegou apenas ao Candal (1974). Em outros lugares chegou quando estes estavam praticamente abandonados (no início da década de oitenta). Das aldeias com população residente, apenas a Cerdeira não tem energia eléctrica da rede pública, situação que será ultrapassada, pois estão em fase de conclusão as obras públicas de infra-estruturação e requalificação, no âmbito de um plano de intervenção mais alargado que oportunamente será explicado.
Contudo, é preciso dizer que as inovações não tocaram as aldeias da mesma forma, e, mesmo assim, na maior parte das aldeias as estruturas edificadas só muito tardiamente conheceram transformações significativas em relação ao modelo tradicional. A aldeia de Candal, junto da estrada da Serra, foi a que mais alterações sofreu: «Agora que o transporte da areia, do cimento, da cal, etc., é relativamente fácil, vão aparecendo habitações à beira da estrada, que são, ali [Candal], verdadeiros «chalets» (…) e fogem ao mimetismo, que tão peculiar é às habitações «empoleiradas» no dorso das lombas serranas voltadas ao sol» (Espírito SANTO, op. cit., 37-38).
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A LENHA E
O CARVÃO
A recolha de lenha e a produção de carvão eram outras actividades de grande
importância na Serra e destinavam-se ao consumo interno e, sobretudo, à venda, na vila da Lousã. A primeira actividade era efectuada por jovens e crianças, e mais tarde, após a emigração, pelos mais pobres. A produção de carvão era uma actividade muito difícil, morosa e exigente (do ponto de vista físico): era necessário arrancar aos penedos as raízes da torga e do mato; depois abrir um buraco enorme para enterrar as cepas, atear o fogo e controlar a combustão (tapando com terra) durante horas a fio. Vale de Nogueira era o lugar mais importante no âmbito desta actividade9. Cerdeira, Catarredor e Talasnal, no primeiro terço do século XX, tiveram ainda carvoeiros entre os seus habitantes. Mesmo na Serra, a actividade gerava alguma controvérsia, pelos danos causados, e perante um cenário de carestia de lenha e mato. Também por isso, o carvão era feito longe dos lugares e muitas vezes de noite.
A produção de carvão e a figura dos carvoeiros terão funcionado como uma espécie de espelho, através do qual as elites desse microcosmos rural (a vila) olhavam de forma depreciativa os habitantes das aldeias serranas, pelo menos até meados do século passado, quando a dependência da vila em relação à Serra, por via do consumo de carvão e lenha, diminuiu de forma substancial.
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O CASTANHEIRO
O castanheiro, sobretudo o “portelão” (variedade que melhor resiste às condições climatéricas da montanha) oferecia madeira de excelente qualidade, aproveitada para traves e outras componentes estruturais das coberturas e sobrados, padieiras, portas e janelas. Era cortado no bosque e aplicado com o mínimo trabalho de transformação. Certos elementos, como os barrotes, eram aparados em duas faces, de forma manual ou mecânica (através de antigos mecanismos
de serrar, impulsionados pela energia hidráulica), para receber tábuas (sobrados), ripas ou “falheiras” (telhado).
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AS CAVAS
Os lugares serranos da Lousã tinham uma actividade do tipo agro-silvo-pastoril de
montanha. Contudo, as dificuldades impostas pelas condições naturais eram, como são actualmente, muito significativas. Os solos são extremamente frágeis e pobres. A forte inclinação das vertentes, para além de dificultar o trabalho agrícola (pelo maior dispêndio de tempo na execução das tarefas e de energia que acarreta), no Inverno, quando as precipitações são mais abundantes, facilita a erosão e o consequente arrastamento do solo, deixando o xisto quase desnudado. Face a estes condicionalismos e problemas, a única forma de valorizar e utilizar as vertentes era através da construção de socalcos. Para encher os tabuleiros sustentados por muros de pedra xistosa, os homens e as mulheres efectuavam o penoso trabalho de carregar o magro solo, em cestos, do fundo do vale para o cimo – em certos casos, anualmente.
A tecnologia utilizada era muito rudimentar (perante as características desta área,
dificilmente seria possível utilizar uma tecnologia muito mais avançada), constituída por enxadas, ancinhos, roçadoiras e machados, que regra geral eram compradas nos estabelecimentos comerciais da Lousã. Quase todas as tarefas agrícolas eram realizadas por via da força humana. Como assinalaram OLIVEIRA, GALHANO e PEREIRA (1983: 33), a respeito dos processos mais elementares de preparação das terras, «na Serra da Lousã, onde os terrenos de cultivo têm um declive muito acentuado, toda a preparação da terra é mesmo feita com o engaço; as cavas começam sempre do lado de baixo para o de cima, devido ao extremo declive; e este facto, conjugado com a acção das chuvas do Inverno, provoca o descaimento da terra, descarnando o lado de cima e obrigando todos os anos a transportá-la para esse lado, em cestas (…)».
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AS
OLIVEIRAS
As oliveiras tinham também grande importância – embora a pobreza do solo não
permitisse árvores de grandes dimensões –, e daí a existência de quatro lagares
(movidos a energia hidráulica) para a transformação da azeitona: dois no Talasnal (na extremidade sudoeste da aldeia); um no Candal (junto à E.N. n.º 236) e um outro (o lagar da Ermida ou do Evaristo) localizado na proximidade da confluência da ribeira da Cerdeira, Catarredor e Candal, perto do início da levada que conduz a água para alimentar as turbinas da central hidroeléctrica da Ermida.
Como se trata de uma altitude limite para a vinha, esta estava presente de forma modesta (distribuição geográfica e produção) e resumida às vides americanas que subiram as encostas serranas da Lousã, introduzidas na sequência da terrível filoxera que na transição dos séculos XIX-XX deixou marcas de destruição e reduziu a quase nada parte importante do vinhedo de diversas regiões do País.
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