De acordo com a informação veiculada, ontem, pela MILVOZ, o ICNF está a aprontar mais uma...
Controlo de invasoras? NÃO. Contenção dos solos? NÃO. Cortar o que resistiu ao fogo? SIM.
Leu bem. O ICNF prepara-se para, um mês após a passagem das chamas, cortar o que ardeu e o que não ardeu.
A Milvoz, em trabalhos de prospeção e caracterização da área ardida na Serra da Lousã, deparou-se com uma extensa mancha florestal recentemente marcada para abate. Um bosque de coníferas na vertente norte da serra, composto por pinheiro-negro e pinheiro-silvestre, foi afetado pelas chamas com graus de severidade muito variáveis: desde áreas onde o incêndio não deixou uma agulha, até zonas consideráveis onde houve apenas fogo de chão, poupando as árvores individualmente e o povoamento estruturalmente.
É neste contexto que a Milvoz constatou a marcação indiscriminada de todas as árvores para abate, à escala de centenas, independentemente de terem sido mais ou menos afetadas pelas chamas. A marcação efetuada sugeria a iminência de um corte raso, numa encosta de grande extensão e declive acentuado.
Face a este cenário, a Milvoz encetou contactos no sentido de esclarecer o âmbito da intervenção, podendo confirmar, junto do ICNF, o cenário que se receava. Em conversa telefónica com a engenheira responsável pela intervenção, foi referido que teriam de se despachar a cortar tudo "para o preço da madeira não desvalorizar". Questionada sobre a ausência de critério sobre as árvores não afetadas ou pouco fustigadas pelo fogo, refugiou-se alegando que futuramente viriam a ser afetadas por pragas (ora pois, pensámos nós ironicamente, nada como resolver logo o problema pela raiz!).
O bosque em causa, com valores ecológicos e paisagísticos que não podem ser desprezíveis e integrado em plena área classificada ao abrigo da Rede Natura 2000, é o resultado de arborizações pelos antigos serviços florestais, constituindo um pinhal maduro com árvores com mais de meio século de existência. Após uma gigantesca perda ecológica na Serra da Lousã com o incêndio do passado mês de agosto, o posicionamento e prioridades do ICNF focam-se em tirar partido da situação para extrair o mais que podem, madeira ardida e não ardida, subtraindo porções consideráveis de bosque que superaram o fogo.
A área em causa foi severamente afetada pelo incêndio, pelo que as manchas de floresta sobreviventes desempenham um papel fundamental no refúgio da fauna que escapou às chamas, mesmo tratando-se de arborizações de coníferas não tão biodiversas quanto os bosques nativos espontâneos. Este caso demonstra claramente a prioridade do ICNF: retirar o máximo do rendimento da floresta, sem qualquer consideração sobre o contexto ou estado de conservação das zonas onde se insere. É este o exemplo que a entidade responsável pela conservação da natureza em Portugal dá aos demais proprietários?
A intervenção perspetivada, não só fragilizará ainda mais os solos, acentuando os fenómenos erosivos, bem como abrirá portas ao estabelecimento de espécies invasoras. Um processo que o próprio ICNF tem vindo a, escandalosamente, promover ao longo dos anos, legitimando cortes rasos na Zona Especial de Conservação da Serra da Lousã, apelidando-os de "normal atividade florestal".
Para a conservação efetiva da já muito degradada Rede Natura 2000 em Portugal, são necessárias regulações mais fortes, com um ICNF que aplique bons exemplos de gestão, particularmente num contexto sensível de pós-fogo: restringir a prática de corte raso em áreas classificadas, adotando princípios de silvicultura próxima da natureza, com cortes seletivos acompanhados de replantação e controlo de invasoras, mitigando os fenómenos erosivos e preservando a paisagem e a biodiversidade.
Data: 30-09-2025
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