O Colmo e as Giestas e o seu uso nas coberturas

 

Sobre o tema das coberturas, divulgamos aqui um excerto da obra Construções Primitivas em Portugal  que situa históricamente a relevância do colmo e das giestas nas coberturas das construções, sobretudo nos lugares do interior e nas serranias...  

  



a) Coberturas em materiais vegetais. Colmaduras ou colmaços

 

Nessas áreas nortenhas, as colmaduras foram – e continuam a ser –, em inúmeras partes, o processo geral e até, em muitos casos, único, de cobertura, que não só possuem as características de um elemento qualificadamente primitivo em si mesmo (que, em estreita dependência para com o meio, utiliza os materiais locais, e elabora técnicas elementares para a sua utilização), mas podem mesmo considerar se uma, e a mais importante, sobrevivência dessas remotas formas originárias, que aliás, como vimos, ali subsistem em muitos casos pouco menos do que intactas.

 

Embora a telha de barro, entre nós e designadamente ali, seja conhecida desde tempos muito recuados – pelo menos desde o final do período castrejo – e o seu uso tenha vindo em aumento ao longo dos séculos, as coberturas de colmo eram sem dúvida as mais frequentes, como formas primárias que vinham de um mundo fechado e pouco menos que autárcico. Próprias assim de uma cultura rural primitiva, elas, hoje, aparecem sobretudo nas zonas arcaizantes da serra, onde essa atmosfera perdura, e naturalmente nas casas dos níveis mais rústicos e pobres – aliás, mesmo aí, presentemente com manifesta tendência a desaparecerem, progressiva mente substituídas pela telha. Outrora, porém, o seu uso era ainda mais geral.

 


Na Idade Média, não só a casa da «gente miúda» nas aldeias e nos recintos acastelados (2) mas mesmo o solar senhorial, teriam cobertura de colmo, caniço ou giesta (3). Viterbo nota que, no seu tempo, ou melhor, antes da publicação do Elucidário, em 1789, se conservavam, principalmente no Minho, vestígios do antigo costume de serem as casas, «ainda honradas e distintas», cobertas de colmo e giesta, e não telha; e cita o Tombo do Aro de Lamego, de 1346, onde se dispõe que «alguns lugares da Magueja eram obrigados a uns tantos feixes de giestas negrais para se cobrirem as casas que el rei tinha no Castelo daquela cidade. Sobre o colmo ou giesta punham (tal como ainda hoje em alguns casos) uma certa jangada de paus atravessados, para que os ventos as não deixem expostas à inclemência dos temporais». Segundo este erudito, a essa «jangada de paus» dava se o nome de canga; cangar a casa era colocar os paus; e descangar, tirá-los (4).

 

(2) Cfr. Alberto Sampaio, «As Villas do Norte de Portugal», in «Portugália», I, Porto, 1908, p. 783: As casas do recinto fechado não passavam de cabanas – «Vam fazer a cabana ao Castelo da Pena Regina», «cobertas de giestas ou canas, pois os de Villa d’Antas haviam de levar «segnos feixes de giesta» e os de Bolino «canizas, cada que os pidirem» (Inquirições, pp. 373, 313, 314). E também A. H. de Oliveira Marques, «A Sociedade Medieval Portuguesa», Lisboa, 1964, p. 85, diz que «de colmo se cobriam, aliás, boa parte das casas, em especial da gente miúda». Na Serra do Montemuro, pelos meados do século XVI, «não há nenhuma casa de telha, senão todas de colmo, e todas terreiras».

 

(3) Alberto Sampaio, ibid., p. 781, entende que, segundo as Inquirições, os paços dos próprios ricos homens eram cobertos de colmo: «Item, filos e netos de... cobrem o paacio da pousa do Ricomem», o que significa que esse paço do rico homem – portanto real – «era colmaço, pois certos foreiros haviam de o cobrir». E por seu turno Oliveira Marques, idem, p. 144, indica, de facto, como forma de tributo a pagar ao amo, na Idade Média, o transporte de «colmo ou feixes de giesta e palhas para cobrir o telhado ou o solo térreo do solar senhorial».

 

Por outro lado, essas coberturas de colmo eram também, então, correntes em certas áreas da Ribeira. Cunha Serra, indicando a expressão casas palhaças, que designava casas feitas ou cobertas de palha, chama a atenção para os topónimos existentes no distrito de Aveiro com base nesse étimo: Palhal e Palhais, Palheiros e Palhota, além de Palhaça mesmo –, indigitando povoações constituídas originariamente por construções deste tipo; e transcreve uma passagem das Inquirições de 1288 1290, onde se regista que, na Lagoa de Esmoriz, se ia colher a carrega, o junco e a madeira, para cobrir as casas (5).

 

O abandono progressivo do colmo e a sua substituição pela telha tiveram como razão primordial o perigo de incêndio que ele representava. Além disso, porém, as coberturas de colmo mostram o grande inconveniente de requererem composturas frequentes, seja a substituição de zonas maiores ou mais pequenas apodrecidas pela água que penetrou a espessura do colmaço, seja mesmo o refazer de sectores inteiros que a ventania levantou. E, nesse processo, não conta pouco o sentimento de inferioridade que sentem aqueles que continuam a viver em casas com tais telhados, perante outros vizinhos que já os modernizaram (6)

 

Essa substituição não se deu, porém, do mesmo modo por toda a área, e parece relacionar se fundamentalmente com o maior ou menor primitivismo das respetivas regiões; este, contudo, não existe apenas em função do isolamento destas: nas aldeias serranas do Barroso, Peneda e Montemuro, por exemplo, o colmo foi até há pouco o material corrente das coberturas; ainda nos princípios deste século, não raro, ali, apenas a igreja da freguesia tinha telhado de telha, que era do tipo de «Marselha», a apontar a sua data recente; e, mesmo hoje, ele continua a ser muito usado. Sem dúvida, aqui, é o isolamento dessas terras (onde, além disso, não existem barros que permitam o fabrico local da telha), e a correlativa carência de meios de transporte, que explicam o facto. Mas o colmo manteve se igualmente, e não só para anexos agrícolas, mas mesmo para casas de habitação, em toda a área que se estende de Terras de Basto até Penafiel e Paredes – zona fechada num grande primitivismo, embora seja cortada de inúmeras estradas e esteja próxima de centros urbanos evoluídos –. Por outro lado, certas aldeias da serra minhota, do Gerês, Amarela, da ribeira do curso superior do Lima português, e em múltiplas partes do Alto-Trás-os-Montes, também de difícil acesso (e, em alguns casos pelo menos, do mesmo modo sem fabrico local de telha), de há muito cobrem o seu casario apenas com este último material.

 

Como atrás dissemos, estas coberturas de colmo – as colmaduras ou colmaços –, nas casas de planta retangular, assentam numa armação vulgar e mais ou menos singela, composta de caibros, que correspondem às vertentes, lançados das paredes (que, nos casos mais perfeitos, rematam normalmente por um frechal de madeira) a uma trave de cume; sobre os caibros são pregadas as ripas –o forro (Celorico de Basto) –, onde pousará o material da cobertura. As ripas ficam normalmente pouco espaçadas, e, em certas áreas, colocam se mesmo juntas umas às outras, formando um verdadeiro forro. No Barroso, em alguns casos, esse ripado consiste numa camada de varedo ou ramagem de giesta, por vezes amarrado aos caibros por cordas de palha (fig. 314) (7). Nas coberturas a duas águas, a trave do cume assenta no vértice das empenas de pedra; nas de quatro águas alongadas, ela, à falta de empenas, assenta numa armação especial, de forma triangular – as asnas ou tesouras– de madeira. Por vezes, em coberturas de duas águas, maiores e mais perfeitas, usam se também tesouras a meio do edifício, a diminuir o vão.

 

Estas armações, cujo madeiramento foi sendo calibrado por uma experiência agora consagrada, e que requer factura cuidadosa e segura, é naturalmente sempre obra de carpinteiros qualificados. A colmagem, por seu turno, nessas terras nortenhas, é também sempre feita por habilidosos locais especializados – os colmadores –, que aprenderam o ofício com os antigos, e que possuem a ferramenta rudimentar necessária: a colmadeira ou cortiça (Gralheira), espécie de pá circular (ou quadrada de cantos arredondados), de cortiça, com cerca de 35 cm de diâmetro (ou lado), fixa a um cabo de madeira com cerca de 1,60 m de comprimento (des. 94 d); em Tecla (Celorico de Basto), este utensílio, a que dão o nome de copadeira (de copar, bater e alisar o colmo), tem uma forma diferente desta: a placa de cortiça é retangular, e está presa a três travessas de madeira que, na sua face posterior, são guarnecidas de pregos, servindo para pentear e varrer o colmaço, depois de o acertar (des. 94 e); em Venda Nova (Vieira do Minho), usa se também este tipo de colmadeira. Além deste utensílio, o colmador usa ainda, para as reparações, um pau comprido – o fueiro ou chuço (Barroso)–, ou uma tábua – a espadela (Tecla) (des. 94 f)–, para levantar o colmo, e outro pau, pequeno e com uma forca, para amparar aquele.

 

b) Coberturas em pedra

 

(…)

 


Fontes/Links:

https://books.openedition.org/etnograficapress/6283

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