A abelha melífera (Apis mellifera) produz diversos bens de valor comercial, como mel, cera, pólen, geleia real e própolis, e é reconhecida como uma das principais espécies polinizadoras de plantas silvestres e cultivadas. Por esse motivo é considerada uma espécie chave para a manutenção da saúde dos ecossistemas, biodiversidade e a segurança alimentar.
Apesar da sua importância, as populações de abelhas enfrentam múltiplas ameaças, tais como: pesticidas, alterações climáticas, má nutrição, espécies invasoras como a vespa-asiática (Vespa velutina), a bactéria Paenibacillus larvae — causadora da Loque americana — e, sobretudo, o ácaro ectoparasita Varroa destructor — causador da varroose— um dos principais responsáveis pelo colapso das colónias.
A varroa alimenta-se do corpo adiposo das abelhas, estrutura vital para funções como imunidade, destoxificação e sobrevivência da colónia durante o inverno (Ramsey et al., 2019). A nível individual, o parasitismo causa perda de peso, redução da longevidade, limitações cognitivas e alterações no comportamento. A nível da colónia, verifica-se um aumento na enxameação e uma menor probabilidade de sobrevivência, especialmente em condições meteorológicas desfavoráveis.
Em Portugal, a varroose é considerada o maior desafio sanitário da apicultura. Segundo a Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), em 2021, 45% dos apiários rastreados apresentavam infestação, tornando a varroose a doença das abelhas com maior prevalência no país.
Desde 1997, a luta contra a varroa está incluída no Programa Apícola Nacional, que recomenda pelo menos dois tratamentos químicos por ano por colmeia registada. Os tratamentos químicos envolvem o uso de produtos acaricidas — naturais ou sintéticos. Entre os compostos naturais mais usados estão o ácido fórmico, ácido láctico, ácido oxálico e óleos essenciais como timol e eucaliptol. Nos sintéticos, destacam-se o tau-fluvalinato e a flumetrina (piretróides), bem como o amitraz (formamidina) (DGAV, 2022).
O controlo da varroa é complexo, influenciado por vários fatores como o ambiente, tipo de colmeia, historial de tratamentos, genética da rainha, presença de criação, distribuição etária das obreiras e proximidade de apiários vizinhos.
Quando a densidade parasitária é baixa, os impactos são menos evidentes, mas em colónias enfraquecidas e altamente infestadas, a mortalidade pode ocorrer em apenas um a três anos após a primeira infestação, se não hou- ver tratamento adequado (Murilhas & Casaca, 2004). Por outro lado, a utilização prolongada dos mesmos favorece o desenvolvimento de populações de varroas resistentes aos principais acaricidas (Anadón et al. 2008).
Essa resistência surge por um processo conhecido como seleção genética (Figura 1). Nem todas as varroas são geneticamente idênticas; algumas apresentam pequenas alterações no ADN que provocam mudanças na estrutura de certas proteínas, como os canais de sódio ou os recetores de octopamina. Os acaricidas, como os piretróides ou o amitraz, atuam sobre essas proteínas, as quais regulam o funcionamento do sistema nervoso dos ácaros. Quando ocorrem mutações no ADN que codifica locais específicos dessas proteínas, os acaricidas deixam de atuar corretamente. Inicialmente, essas mutações são raras na população de varroa, mas após exposição recorrente e contínua aos mesmos tratamentos, os indivíduos mutantes têm maior probabilidade de sobreviver. Com o tempo, esses indivíduos passam os seus genes resistentes à descendência, e a população torna-se progressivamente menos vulnerável ao medicamento. É desta forma que populações resistentes se formam: não porque o medicamento deixe de funcionar repentinamente, mas porque os parasitas mudam, ou seja, adaptam-se à pressão seletiva imposta pelo tratamento. É importante salientar que, embora a resistência possa resultar de novas mutações, essa ocorrência é relativamente rara. Geralmente, a resistência numa população surge a partir de variação genética já existente, seja por seleção de variantes resistentes raras, seja pela introdução de indivíduos portadores dessas variantes oriundos de populações vizinhas (Belinato et al, 2016).
Infelizmente, já se observa resistência a algumas moléculas acaricidas utilizadas em determinados medicamentos. Por exemplo, no caso do tratamento à base de piretróides (Flumetrina ou tau-Fluvalinato) — que atuam nos canais de sódio responsáveis pelos impulsos nervosos da varroa — foram identificadas mutações em locais específicos nas proteínas-alvo, nomeadamente nos canais de sódio dependentes de voltagem (voltage-gated sodium channel – CSDV). A primeira mutação conhecida foi identificada numa posição específica (posição 925) desta proteína em populações de varroa na Europa (González-Cabrera et al., 2013). Mais recentemente, foram reportadas outras mutações na mesma posição em populações dos Estados Unidos (Benito-Murcia et al., 2022; González-Cabrera et al., 2016, 2018; Millán-Leiva et al., 2020), e também uma numa posição diferente (posição 918) em populações de Espanha (Benito-Murcia et al., 2022).
O amitraz, que pertence à classe das formamidinas, atua sobre uma outra proteína envolvida na regulação da atividade nervosa do ácaro — recetor de octopamina (Octβ2R). Mutações nas posições 87, 215 e 290 desta proteína já foram encontradas em populações de França, Estados Uni- dos e Espanha (Hernández-Rodríguez et al., 2021, 2024; Rinkevich et al., 2023). Tal como nos canais de sódio, estas mutações alteram a estrutura do recetor de octopamina, eventualmente dificultando a sua ligação ao amitraz, tornando o tratamento menos eficaz (Hernández-Rodriguez et al., 2021, 2024).
A resistência aos acaricidas tem consequências muito concretas na apicultura. Quando todos os ácaros de uma colónia desenvolvem resistência, os tratamentos deixam de funcionar, e as colmeias ficam vulneráveis. Por isso, é fundamental alternar entre produtos com diferentes substâncias ativas, usar tratamentos biológicos sempre que possível, e investir em monitorização contínua.
Para a monitorização da varroa, pode-se recorrer ao ‘Teste de Varroa 3 em 1’, com adição de detergente ou álcool, ou ao teste do açúcar em pó, que é colocado sobre a amostra de abelhas, sendo este último considerado minimamente invasivo (ver https://www.youtube.com/watch?v=- 4fltUA4XyAU). Para além destes testes que incidem sobre a varroa forética (aderente ao corpo da abelha adulta), é fundamental considerar-se também a análise direta dos favos de operculada, uma vez que permite detetar varroas presentes no interior dos alvéolos, especialmente em fases de crescimento intenso da colónia. Esta abordagem complementa os testes nas abelhas adultas, oferecendo uma visão mais abrangente do nível real de infestação da colónia (Dietemann et al. 2013) (…).
Autoria: Cláudia Alves Rodrigues¹,², Maíra Costa¹, Carlos Yadró¹, Ana R. Lopes¹, Fernanda Li¹, M. Alice Pinto¹, Dora Henriques¹
Autores correspondentes: Cláudia Alves Rodrigues (claudie_rodriguess@hotmail.com), Maíra Costa (maira.costa@ipb.pt), Dora Henriques (dorasmh@ipb.pt)
¹ CIMO, LA SusTEC, Instituto Politécnico de Bragança, Campus de Santa Apolónia, 5300-253 Bragança, Portugal.
² UP-ICBAS, Universidade do Porto, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Rua Jorge de Viterbo Ferreira 228, 4050-313 Porto
Referências: https://qr.me-qr.com/text/IKg9D8qx
Data: setembro 2025
Fontes/Links:
Newsletter_Voz do Campo 🌱 7 de outubro
https://vozdocampo.pt/arquivo/48790
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