Vamos muito brevemente ser um Estado sem território
Entrevista com Gonçalo Ribeiro Telles.
17 de
Agosto de 2005
«É urgente
fazer o reordenamento do território "a sério," não para a floresta
mas para as árvores em todas as suas funções», afirma. Tudo porque o nosso País
«não é um País florestal».
«É um abuso
inqualificável dizer que está a arder uma floresta em Portugal.
Cientificamente, esta afirmação não tem qualquer validade».
Para o
fundador do Movimento Partido da Terra, o que está a funcionar como um barril
de pólvora são povoamentos mono específicos (de uma só espécie) desprovidos de
qualquer variedade biológica. Não se trata de mata ou de floresta, mas sim de
mato, que exige a permanente limpeza para a produção de madeira destinada à
indústria.
Considerado
o primeiro ecologista português, Ribeiro Telles acusa os Governos, os autarcas
e as universidades de «ignorância atroz», por terem uma noção completamente
errada do território e por defenderem «a floresta inexistente». «É uma anedota
absurda», lamenta.
O que deve
ser feito, então, urgentemente? O ordenamento do território implica o
investimento na mata, que deve funcionar por «zonagem», ao preencher as zonas
frágeis em termos de erosão, ou seja, nos grandes declives e nas barreiras. Ao
mesmo tempo, é importante construir as sebes para a agricultura, com o
objectivo de defender as culturas. «A sebe é o estádio final da mata para
permitir a agricultura do homem», explica, e «nada disto está a ser feito».
A terceira
aposta, deve ser a recuperação dos montados de sobro ou de azinho (cortiça) ou
dos soutos (castanheiros). O montado é uma interface entre a agricultura e a
pecuária, uma pastagem «que raramente arde e que regenera facilmente».
Outro
aspecto fundamental no ordenamento do território é a ocupação do espaço e a
recuperação da aldeia. Para o arquitecto paisagista é necessário valorizar o
sistema aldeão, porque corremos o risco de ter o País despovoado e à mercê dos
grandes empreendimentos, idêntico à exploração dos madeireiros da floresta
Amazónica.
«Numa
escala diferente, estamos também a expulsar os índios, como acontece quando
vimos as populações a correr quando há os fogos».
Encara
como «embuste», a forma recorrente de se responsabilizar os proprietários por
«deixarem os terrenos ao abandono». Diz que os donos das terras vieram para a
cidade e perderam a orientação dos marcos, que foram sendo retirados ao longo
dos tempos. Hoje é impossível reproduzir o cadastro, porque não sabem quais são
os limites da propriedade.
«DESASTRE»
COM ORIGEM NOS ANOS 30
Recorda
que a política da época está retratada no livro «Quando os Lobos Uivam» de
Aquilino Ribeiro.
A seguir,
apareceram os eucaliptos, e novamente os pinheiros, para satisfazerem as
indústrias de celulose e de madeiras para a construção civil. «Assim
desapareceu a agricultura no fundo dos vales, a cabra que dava leite e cabrito,
o leite que dava queijo, ou os matos que davam o mel e a aguardente de
medronho. Um cenário muito diferente daquele que existe, onde se vê crescer o
pau com destino para a celulose».
«Estas
produções podiam não ter grande peso para o Produto Interno Bruto (PIB) mas
contribuíam para a fixação de população no local», sublinha.
«Hoje
somos um País sem população no interior - entregue às grandes extensões de
povoamentos para a indústria - com taxas de emprego altíssimas no litoral.
Portugal está transformado num deserto».
O
ex-ministro de Estado e da Qualidade de Vida culpa ainda as autarquias por «não
entregarem» as aldeias aos emigrantes que regressam à terra de origem e responsabiliza-as
por disponibilizarem loteamentos, ao longo das estradas, sem um sistema de
planeamento, equipamento e de concentração.
«Depois
vê-se as pobres populações aflitas, metidas em casas no meio da chamada
"floresta", quando os culpados são as autarquias que deviam ter
incrementado o desenvolvimento das aldeias».
«A
política florestal tem sido desastrosa», e nenhum Governo, desde a década 30,
conseguiu ter consciência das necessidades do País.
«É preciso
iniciar imediatamente um verdadeiro ordenamento do território, o que demoraria
menos de uma geração».
«A árvore
está a ser perdida todos os dias. Se a árvore deixa de estar na mata, na sebe,
nos pomares, no montado, na cidade, o que temos é uma cultura artificial que
pode dar muito dinheiro durante um curto intervalo de tempo a alguns mas que
pode acabar com o País», conclui, ao lamentar ainda a inexistência do Programa
Nacional de Ordenamento do Território.
Entrevista
que Gonçalo Ribeiro Telles concedeu ao semanário «O Diabo», de 17 de Agosto de 2005
Link:
http://bioterra.blogspot.com/2005/08/vamos-muito-brevemente-ser-um-estado.html
ΦΦΦ
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