Da revisão da Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade 2030 ao Plano Nacional de Restauro da Natureza: entre a ambição e os desafios da operacionalização
Por Margarida Ferreira Marques e Francisco Cordeiro Ferreira, Associados AMMC Legal
Está em consulta pública, até 9 de outubro, a proposta de revisão da Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade 2030 (ENCNB 2030). Este processo decorre da necessidade de alinhar o documento aprovado em 2018 com novos compromissos internacionais e comunitários, como o Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal, a Estratégia Europeia para a Biodiversidade 2030 e a recente Lei do Restauro da Natureza da União Europeia.
A revisão coloca o restauro ecológico no centro da política pública, com metas claras, critérios técnicos, mecanismos de financiamento e monitorização, estruturando-se em quatro eixos: 1.Conservação e Restauro da Natureza; 2.Gestão Integrada e Sustentável do Território; 3. Valorização Económica e Social e 4. Governança e Conhecimento.
Entre as novidades destacam-se temas como a gestão de conflitos com a fauna, biodiversidade e poluição, espaços verdes urbanos, biossegurança e justiça ambiental. O eixo da governança reforça a necessidade de participação ativa de municípios, ONG, academia, setor privado e cidadãos, promovendo uma abordagem colaborativa e multinível.
No Eixo 2, a estratégia sublinha que a conservação não pode restringir-se a áreas protegidas, devendo estender-se a todo o território. Prevê-se, assim, a integração da biodiversidade nas políticas agrícolas, florestais, energéticas e turísticas, a criação de corredores ecológicos e o mapeamento nacional de ecossistemas e serviços dos ecossistemas. Prevê-se, por isso, a articulação com os instrumentos de gestão territorial, designadamente, com os planos setoriais naqueles domínios, e com os de planos territoriais municipais, no âmbito da elaboração do mapeamento nacional de ecossistemas e serviços dos ecossistemas.
Nesta lógica e numa relação estreita com a Estratégia Europeia, a ENCNB tem como metas, neste eixo 2, a implementação da Lei do Restauro da Natureza nos instrumentos de ordenamento, a integração da biodiversidade nas políticas agrícolas e de energia, a redução da exploração insustentável de recursos naturais, a criação de redes coerentes de áreas protegidas interligadas e a promoção de corredores ecológicos urbanos e rurais.
Um dos instrumentos centrais de operacionalização da Estratégia, será por isso o Plano Nacional de Restauro da Natureza (PNRN), a aprovar até agosto de 2026. Mais do que cumprir metas europeias, o PNRN pode assumir um papel transformador no sistema de planeamento territorial português, ao identificar áreas prioritárias de restauro, clarificar competências institucionais e articular políticas setoriais. Para tal, será essencial compatibilizar-se com os Programas Regionais de Ordenamento do Território, espacializar as metas de restauro, evitando intenções genéricas, reforçar a capacidade de articulação das CCDR, valorizar economicamente os resultados, transformando o restauro em motor de desenvolvimento, transcendendo a visão restritiva da conservação e promovendo uma lógica de restauração produtiva, capaz de gerar valor ambiental, social e económico.
Neste cenário, o PNRN pode ser o instrumento de mediação e integração que faltava, desde que seja concebido com essa ambição e com os meios adequados. A sua implementação deve ser acompanhada por uma revisão estratégica dos instrumentos de gestão territorial existentes, garantindo que os objetivos de restauro ecológico não são apenas mais uma camada normativa, mas sim parte integrante de uma nova visão territorial para Portugal, onde a natureza restaurada é motor de desenvolvimento económico, coesão social e resiliência dos sistemas de planeamento.
Contudo, embora a ENCNB 2030 e o PNRN estejam projetados para consolidar os vários instrumentos que têm surgido a nível nacional e internacional, esta integração não é isenta de desafios técnicos e jurídicos, e o seu sucesso dependerá da capacidade de articulação, sobretudo, com os planos municipais e setoriais. Caso contrário, o PNRN apenas acrescerá à multiplicidade de instrumentos para popular (ainda mais) um sistema de planeamento e de ordenamento do território que se complexifica de dia para dia.
Data: 22-09-2025
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